Quando falamos de demências, muitas vezes pensamos apenas nos sintomas cognitivos. Mas esse tipo de adoecimento também afeta funções básicas, como a alimentação ou mesmo a respiração. Em estágios mais avançados, é comum que engasgos, perda de apetite e dificuldade para engolir fiquem mais comuns. Como consequência, há o comprometimento da nutrição e da qualidade de vida da pessoa acometida.
Foi em um momento de resfriado intenso e necessidade de internação médica que minha mãe precisou iniciar a alimentação por sonda. E confesso: foi um processo delicado, cheio de dúvidas e sentimentos misturados. Neste post, quero compartilhar como funciona a alimentação por sonda em pacientes com demência, os tipos mais comuns, os cuidados necessários e também a minha experiência em casa.
Como funciona o processo de sondagem?
A decisão de iniciar a alimentação por sonda deve sempre ser feita com orientação médica, preferencialmente com acompanhamento de um nutricionista e de um fonoaudiólogo. São esses profissionais que analisam todas as reais necessidades e possíveis complicações para o paciente. Aqui no Na Memória, já falamos sobre essa decisão neste post.
Uma vez que tenha sido decido pela sonda, a introdução deve sempre ser realizada no hospital, porque a verificação do procedimento correto é feita por meio de um exame raio-x do tórax, em que se visualiza se a sonda está realmente no estômago ou intestino (dependendo da orientação médica) e se está no comprimento ou na “altura” correta, sem torções ou enlaces. Aqui é importante notar que esta verificação é essencial para a saúde e para o bem estar da pessoa que usa a sonda e não há outra forma tão segura de verificar a qualidade da sondagem, por isso realizar o procedimento em casa ou em locais sem o suporte do raio-x é muito desaconselhável e pode ser até perigoso.
Tipos mais comuns de sondas
Existem diferentes tipos de sondas, mas as mais utilizadas em pacientes com demência são:
- Sonda nasogástrica (SNG): é inserida pelo nariz até o estômago. É indicada para uso temporário, especialmente em situações de transição ou quando não há definição sobre a necessidade de longo prazo, com tempo de troca entre dois e três meses.
- Gastrostomia (GTT ou PEG): é introduzida diretamente no estômago por meio de uma pequena cirurgia. Este tipo é recomendado quando o uso será prolongado, podendo ficar no paciente por cerca de seis meses sem a necessidade de troca.
Aprendemos que a colocação deve ser feita sempre pelo profissional de enfermagem. Após isso, é importante que a equipe de saúde oriente os cuidadores sobre a administração das dietas, os cuidados de higiene e a forma correta de observar possíveis complicações. Aqui no Brasil, caso não haja esta orientação por parte da equipe que realizou a sondagem, podemos procurar as UPAS e unidades municipais de referência para receber as orientações necessárias ao manuseio da sonda ou mesmo para realizar a troca quando necessário.
Como foi aqui em casa
No início, senti duas coisas ao mesmo tempo: alívio e culpa.
Alívio, porque finalmente minha mãe estava recebendo os nutrientes de forma segura, sem engasgos e sem sofrimento a cada refeição. Mas também culpa, por não poder mais alimentá-la “com as próprias mãos”, como sempre fiz.
Uma das maiores consequências não faladas do uso da sonda é justo essa quebra do momento social e sensorial da alimentação, o que pode causar um isolamento maior do paciente. No entanto, com o passar dos dias, percebi que o mais importante não era como o alimento chegava, mas sim que ele chegasse de maneira segura, com carinho e dignidade. E que poderíamos, com criatividade, ter outros momentos de proximidade e cumplicidade com minha mãe.
A rotina mudou bastante — com horários fixos, necessidade de higienização constante e atenção à postura correta dela durante e após a dieta. Mas a tranquilidade de saber que ela estava nutrida e protegida superou qualquer dificuldade.
Cuidados essenciais com a alimentação por sonda
Seja nasogástrica ou gastrostomia, alguns cuidados são fundamentais para garantir conforto e segurança:
- Mantenha o paciente sentado ou com a cabeça elevada durante e após a dieta.
- Higienize os materiais (seringas, extensões, equipo) corretamente.
- Administre a dieta com calma, respeitando o tempo da pessoa.
- Siga rigorosamente as orientações do nutricionista quanto ao tipo, volume e frequência da dieta.
- Observe sinais de dor, refluxo, vômito ou distensão abdominal.
Essas medidas reduzem o risco de complicações e tornam o processo mais tranquilo.
Alimentar com sonda também pode ser um gesto de afeto
Apesar de ser uma mudança difícil, e que muitas vezes é vista como uma forma de “tirar a humanização” do cuidado, o processo de sondagem pode ser indispensável em alguns caso. Além disso, temos de lembrar que não precisa ser definitivo, pois dependendo do tipo de demência e das circunstâncias, o paciente pode voltar a sua alimentação normal após o uso da sonda.
Aqui em casa, mantemos o mesmo ritual da refeição: ambiente calmo e palavras de carinho durante a administração da dieta. Assim, percebemos que alimentar alguém com sonda é, sim, um gesto de amor — apenas em uma nova forma. Descobrimos que a alimentação por sonda em pacientes com demência é um marco delicado, mas também uma oportunidade de oferecer dignidade, nutrição e qualidade de vida.
Se você está vivendo essa decisão agora, saiba que não está sozinho. Informação, acolhimento e empatia fazem toda a diferença.